Nosce te Ipsum

"Um quadro só vive para quem o olha" - Pablo Picasso

(Nosce te Ipsum)

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Daniel e o Lamento do Beijo Grego




"Daniel e o Lamento do Beijo Grego"

Words like violence
Break the silence
Come crashing in
Into my little world
Painful to me
Pierce right through me
Can´t you understand
Oh my little girl

- Είσαι καλά; Φαίνεται αποπροσανατολισμένος.

Aquilo lhe era estranho, não entendera. A fala daquele povo lhe fazia se sentir um bebê, ouvindo os pais pela primeira vez.

- Μήπως χρειάζεστε βοήθεια;

Em um passe de tédio e descontentamento, Daniel dormira em solo brasileiro e acordara em solo grego. As placas, os olhares, as roupas, os movimentos das pessoas. Era tudo um novo mundo. Alguns se aproximavam com seus olhos e bocas gentis, mas de fala ininteligível, não sabia o que era amigo ou não. Sentiu-se além de um bebê, um animal acuado, arisco. Aos poucos foi percebendo que ele era como todas as pessoas dali, de carne e osso. Bem mais carne e osso que as pessoas próximas dele no Brasil, pensara Daniel.

All I ever wanted
All I ever needed
Is here in my arms
Words are very unnecessary
They can only do harm

- Βραζιλίας; Do you speak english?

- It’s okay. Thanks.

Aqui elas falavam mais com ele, ou, ao menos, ele conseguia percebê-las melhor. Seus sons eram mais reais. Seus rostos eram mais reais. Seus significados eram mais reais. Mesmo assim, a Grécia lhe parecera muito mais psicodélica. E a realidade, não é psicodélica?

Vows are spoken
To be broken
Feelings are intense
Words are trivial
Pleasures remain
So does the pain
Words are meaningless
And forgettable

A sua não parecia. Era morna, poucos diálogos, pouco contato, muita distancia entre um arrastar de sapatos castanhos, ou um arrastar de olhares castanhos nas ruas. Castanho...
A moça que o abordou e falou alguma coisa, logo se resignou com o sorriso sem jeito de Daniel, mas, os cabelos dela eram castanhos.
Essa era a única coisa que ele conseguia lembrar-se da santa: os cabelos castanhos. Talvez apenas a sua fixação. O rosto já não se formara em sua mente, seus olhos, o nariz, nem os detalhes, menos ainda os movimentos. Tudo que ele amava nela, de tudo, só lhe restaram os desgostos castanheiros. A imagem se quebrara, apenas uma vaga lembrança castanha. Onde é que o amor acaba? Daniel não sabia, não entendia suas dúvidas castanheiras. Onde o amor acaba?! O amor acaba quando a gente começa a ver mais o lado negativo ao lado positivo da pessoa, pensara Daniel. Ele não via mais a beleza, não recordava mais dos pés pisando em memórias bonitas, era tudo um lodaçal, mas, ainda assim, um lodaçal castanho. Mesmo assim, será só isso? A imagem, esse bloco de significado que construímos uns dos outros, onde é que nós o sepultamos? Quando é que ele quebra? Será que conseguimos ter das pessoas mais que apenas vagas imagens na nossa cabeça? Para Daniel, o amor era como aquela Grécia, tudo muito psicodélico, principalmente quando acaba.
E quando acaba, Daniel ainda ouve:

- It is night now awaken all
corners of the lovers. And my soul is
also a corner of her lover.

Era um rapaz que lia um trecho de um livro para uma moça que estava com ele. Era do Zaratustra de Nietzsche, reconhecera Daniel. Prostrou-se naquela profunda reflexão, sabendo, que ele também era uma fonte de uma canção noturna.

All I ever wanted
All I ever needed
Is here in my arms
Words are very unnecessary
They can only do harm

Enjoy the silence

Contudo, não houvera canção alguma para a recepção de Daniel, apenas o seu mais novo maior companheiro dos próximos tempos: o silêncio. Ou, talvez Daniel não tenha ouvido uma brasileira que escutava Enjoy the Silence em seu Ipod, ao som de Keane, bem ali, ao seu lado.

- Olá? – disse um senhor de roupas brancas, barba e cabelos longos, além  de cinzas. Mas, o que lhe chamava atenção eram as omoplatas, pois eram enormes. As omoplatas.

- Oi? – disse Daniel, assustado.

- É o amigo de Berilo, não? Daniel, é esse seu nome?

- Sim, não sabia que seria reconhecido logo... Qual seu nome?

- Deixemos essas perguntas para nossa próxima conversa. Vamos, ele lhe espera.

- Ele quem?

- O Banquete.

(Por Marcos P. S. Caetano)
Fortaleza, 16h49 de 03 de Agosto de 2012.



Confira aqui a Série Daniel Riva:



Pintura: Pablo Picasso, O Velho Guitarrista, de 1903.

Palavra da Vez:

silêncio 
(latim silentium, -ii
s. m.
1. Estado de quem se abstém ou pára de falar.
2. Cessação de ruído.
3. Interrupção de correspondência ou de comunicação.
4. Omissão de uma explicação.
5. Sossego, quietude, calma.
6. Segredo, sigilo.
7. Toque nos quartéis e conventos, depois do recolher.
interj.
8. Expressão usada para impedir de falar ou pedir que alguém se cale. = CALUDA



Referência Musical: Keane - Enjoy the Silence




5 comentários:

  1. Agora você deu uma outra dimensão ao que já vinha sendo muito bom. Achei fenomenal!

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  2. Boa noite , irmão virtual!
    Agradeço pela visita em meu blog.
    Com mais tempo, ando estudando muito, vou dar uma boa olhada no seu espaço que me parece ser muito rico contextualmente.
    Amplexos!

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  3. Também gostei muito!

    Obrigada Marco pela visita seu blog é
    Uma delicia de ler.

    Um excelente fim de semana.

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  4. Adorei. Li num fôlego só. Vou clicar no link... Daniel. Abraço

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