
Os aplausos, os gritos. O balançar dos braços, a euforia. Apenas os primeiros toques já anunciavam, foi quando começou:
Oh, life is bigger
It's bigger than you
And you are not me
The lengths that I will go to
The distance in your eyes
Não tem como não esquecer. Os meus olhos também cantaram R.E.M.
Aquele gás azul e roxo, aquele ar psicodélico, as pessoas não eram pessoas, as pessoas eram sombras naquela boate. Todas ali dançavam por olhos distantes, olhos de caminhos percorridos. Olhos de quem tem vontade de gritar para o mundo “Oh, life is bigger”, mas ali ninguém tinha olhos, tudo era sombra. Só os meus olhos deveriam ser de ciúmes castanheiros naquele momento. Há quatro anos ela não me mandava um torpedo como aquele: “Vms dancar hj? Passo na sua ksa”. E ali estava ela: dançando como se a vida começasse ali, como se os nossos caminhos não fossem as sombras de nós mesmos. Não! O seu movimento era liberdade. O seu movimento era confissão. O seu movimento era sua religião. E ele dançava ao lado dela, ele eu fazia questão de desintegrar da minha memória. E éramos amigos. Ela era minha amiga. Enquanto isso:
That's me in the corner
That's me in the spot light
Losing my religion
Trying to keep up with you
And I don't know if I can do it
Pedi qualquer vodka e continuei sentado enquanto dançavam. Eu não sabia dançar mesmo.
- A solidão é um exercício de estudar-se. Não?
Eu nem percebi direito quando foi que começou, mas houve um momento em que um camarada começou a conversar comigo. Meus olhos não saiam dela, porém, percebi a cabeça raspada do tal camarada. Jaqueta preta. Camisa preta por dentro. Calça jeans. Sapato preto bico italiano. Luvas pretas. Óculos que penumbravam o seu ser. Ele era pálido que cheguei a pensar que não era uma sombra. Nem sei como que prestei atenção nele, o movimento dela me parecia rito religioso. As sombras são pagãs.
- Só um ser extremamente perverso criaria um mundo onde a ordem é a lei da sobrevivência, onde para se viver é necessário matar, onde os seres se digladiam e ele assiste sentado num trono enquanto ri... E só um estulto pode ser contagiado pelo riso macabro de deus...
Eu não sei em que momento a nossa conversa tomou aquele rumo. Mas era balela. Como ele poderia ser tão tolo? Mais fanático que um religioso só um ateu mesmo. Isso que ouvi certo dia, de uma boca castanha. Aquele cara deveria ser só mais uma sombra. Ficou de conversa fiada no meu ouvido por umas boas vodkas, e bebeu uns bons minutos. Não sei como ele não percebeu, mas...
Every whisper
Of every waking hour
I'm choosing my confessions
Trying to keep an eye on you
Like a hurt, lost and blinded fool (Fool)
Ou eu estava cego, ou tudo na vida é sombra mesmo. Ela não cansava. Eles se beijaram.
Eles se beijaram!
Consider this
The slip that brought me
To my knees failed
Só depois da terceira garrafa de desilusão e da primeira vontade de ser música, eu também tive vontade de dançar, e ser sombra.
- Bem... Daniel. Está na minha hora agora. E continue como Pessoa: um fingidor. Nosce te Ipsum, companheiro, Nosce te Ipsum. Aqui está.
E me deixou um cartão, não havia percebido, mas aquele cara era advogado. Advogado do quê? Da desgraça? Eu lá sabia o que diabos era ‘nosce te ipsum’! Eles se beijaram! Porra! Eles se beijaram... É. André Berilo. Era o nome dele, estava no cartãozinho. Como deve ser um dia de André Berilo? Deve ser melhor que o meu... É. Acho que nessa vida todos nós temos um momento onde perdemos a nossa religião, seja ela qual for, seja pelo que for... Aquilo que nos religa aos outros, às sombras.
I thought that I heard you laughing
I thought that I heard you sing
I think I thought I saw you try
Doravante, eu desisti da penumbra. Isso foi o início. Eu tinha medo. Dizem que o amor muda muito o rumo das pessoas, penso que a falta de amor mude muito mais.
Eu sabia que R.E.M não pararia de cantar ali, eles ainda cantariam mais a frente...
But that was just a dream
Try, cry, why, try
That was just a dream
Just a dream, just a dream, dream
Voltamos para as nossas casas. Eu sabia que havia perdido um pouco da minha religião naquele momento. Mas não Deus. Só os nefandos perdem Deus de si, só aqueles que já estão mortos. E... Quem, ou o quê, me garante que estou vivo?
Sentei, bebi o tempo e vi a vodka passar. Cansei do inglês e que o R.E.M se exploda... Quero uma voz em português. Liguei o rádio:
Ê! Ê!
Ele não é de nada
Oiá!!!
Essa cara amarrada
É só!
Um jeito de viver na pior
Ê! Ê!
Ele não é de nada
Oiá!!!
Essa cara amarrada
É só!
Um jeito de viver
Nesse mundo de mágoas...
Não! Aquela voz! Aquele canto! Não! Assim eu não consigo esquecer que...
Oh no, I've said too much
I haven't said enough
Dizem que o amor muda o rumo das pessoas, penso que a falta de amor mude muito mais. Nem a memória e nem a vodka cessaram. A vodka não era castanha. Just a dream.
(Por Marcos P. S. Caetano)
Fortaleza, 14h46 de 27 de Novembro de 2010.
Série Daniel Riva:
1°
http://marcospscaetano.blogspot.com/2010/11/arma-de-caca-na-cabeca-de-daniel-riva.html
2°
http://marcospscaetano.blogspot.com/2010/11/daniel-riva-na-promocao-da-semana.html
Palavras da Vez:
(russo vodka)
Olá, caro Marcos
ResponderExcluirvocê tem um ótimo blog, deus sabe como está difícil achar um "ótimo" hoje em dia. Aqui achei boas idéias e algo que me encanta, vim de indicação da minha amiga Claire, que por sinal adorou passar aqui, agora entendo o motivo.
abraços
sempre, sempre muito bons.
ResponderExcluirmas, como fã oficial de Daniel Riva,
minha opinião já fica subentendida.
Porque mesmo o maior pregador de lamúrias tem sua cara valente.
ResponderExcluirComprei Daniel Riva, já.
Beijos, vc terá "sempre" meu encanto.
Sem palavras...Marcy, é realmente sensacional!
ResponderExcluirA gente para pra ler só pq foi escrito pelo Caetano!
Bjs nos dois!