Nosce te Ipsum

"Um quadro só vive para quem o olha" - Pablo Picasso

(Nosce te Ipsum)

terça-feira, 30 de novembro de 2010

Daniel, cada um é seu próprio escarro


“Daniel, cada um é seu próprio escarro”



Todos os decibéis estavam excitados. A guitarra dava as boas vindas aos que adentravam o quarto. O baixo seguia o ritmo dos passos, do fechar e trancar da porta, do gelo eriçado no copo de tequila. E Robert Plant balança como limão na bebida, até descer como poesia marginal na garganta:

You need cooling

Baby, I'm not fooling

I'm gonna send, yeah

You back to schooling

Era dia de Whole Lotta Love. E o Led Zeppelin era a fumaça do cigarro cantando.

- Aqui está bom?

O copo voltou para a mesa, assim como a jaqueta se refestelou na cadeira. O par de sapatos pretos se aproximava. Os oito brincos estavam na orelha só escutando. Os aquilinos olhos miraram o alvo. A mão e os seus cinco dedos foram o rasante. O cabelo foi segurado como o rabo de uma égua. O balbuciar da moça foi só até ela ser jogada na mesa, os objetos se esparramaram pelo chão. A tequila caiu e molhou A Interpretação dos Sonhos de Sigmund Freud e uma caderneta com a seguinte citação: “A felicidade é um problema individual. Aqui, nenhum conselho é válido. Cada um deve procurar, por si, tornar-se feliz.” Também de Freud.

Way down inside

Honey, you need it

I'm gonna give you my love

I'm gonna give you my love

Se ela tentou falar algo como “professor”, foi pra dentro. Estava de recuperação. O cinturão preto deixou de segurar as calças daquela aparição para virar mordaça; ou rédea? A batida da bateria seguia o ritmo dos tabefes. A pele que era branca ficara vermelha, o sangue saia do profundo para o raso da alma. As mãos rasgavam a pele e o suor transpirava como a morte.

Wanna whole lotta love

Wanna whole lotta love

Wanna whole lotta love

Wanna whole lotta love

Se ela tentou balbuciar algo como “professor” recebeu um “cala a boca vadia”. Naquela noite só Robert Plant gemeu, ela ficou calada, calada.

You've been learning

Baby, I been learning

All that good times

Baby, baby, I've been yearning

Way, way down inside

Honey, you need it

Ele a olhou milímetro a milímetro. Rasgou-lhe a saia. Abriu-lhe as pernas. Ela estava de bruços na mesa. E ele seguiu o ritmo da música:

Way, way down inside

I'm gonna give you my love

I'm gonna give you

Every inch of my love, gonna give you my love

As ânsias mentiam o caráter. O eu mentia o mundo. E todas as polegadas de hipocrisia rasgavam o tesão da ideologia. E todo o apartamento cantou:

Way down inside

Woman you need love

Shake for me girl

I wanna be your backdoor man

Sentou-se. A poltrona ainda a observou se ajustar. “Minha saia”, se ela perguntou isso logo recebeu um “Cai fora daqui sua puta”, além de umas cédulas. Ela ainda deve ter perguntado “Mas e o exame?”. “Cai fora daqui sua vagabunda”. Mas ela precisava de uma boa nota na disciplina de Direito Romano, com o Professor André Berilo. Naquela noite ele aplicou o exame. Ela saiu sem saber a nota. O ambiente continuou com o cheiro do vulgar. Ele ainda terminou com a tequila e o cinzeiro lotado, a fumaça ainda sussurrou:

Keep it cooling baby

Keep it cooling baby

Keep it cooling baby

Keep it cooling baby

: Daniel deitado no seu quarto ainda pensou como pensou na boate “Como deve ser um dia de André Berilo? Deve ser melhor que o meu...”. Olhava aquele cartão com o nome do Advogado e Professor de Direito, além de começar a lembrar de alguns outros trechos da conversa. “Vai ficar aí olhando a moça dançar com o cara? É, se você não faz algo na vida vem outro e faz. Larga essa cara de pamonha, Riva. Você nem a conhece...” Era um imbecil mesmo aquele careca, como veio dizer na minha cara que eu não conhecia uma amiga de longa data? Ele que não deve se conhecer... Porém, nessa vida deve mesmo ter um momento onde perdemos a nossa religião, e Daniel se lembrou de outra de André: “Você não a conhece. Para conhecer uma pessoa, Daniel, você não precisa trocar uma palavra com ela. Vá trepar com ela e saberá tudo da alma dela.”.

Berilo em um canto da cidade. Riva em outro. Depois das músicas ambos silenciaram. Daniel fechou os olhos e teve um sonho castanho. Berilo teve insônia e com seu cigarro a esquentar seu coração ainda leu os Versos Íntimos de todas as almas com Augusto dos Anjos, declamou para si:


Vês ! Ninguém assistiu ao formidável

Enterro de tua última quimera.

Somente a Ingratidão - esta pantera -

Foi tua companheira inseparável!


Acostuma-te à lama que te espera !

O Homem, que, nesta terra miserável,

Mora entre feras, sente inevitável

Necessidade de também ser fera


Toma um fósforo. Acende teu cigarro!

O beijo, amigo, é a véspera do escarro

A mão que afaga é a mesma que apedreja


Se a alguém causa inda pena a tua chaga,

Apedreja essa mão vil que te afaga

Escarra nessa boca que te beija


Cada um seu próprio escarro, sua própria loucura, sua própria sanidade, sua própria felicidade.

(Por Marcos P. S. Caetano)

Fortaleza, 01h50 do 1 de Dezembro de 2010.


Série Daniel Riva:

Arma de Caça na Cabeça de Daniel Riva

Daniel Riva na Promoção da Semana

A Cara Valente de Daniel Riva


Palavra da Vez:


quimera (é)
(grego Khímaira, -as, Quimera, ser mitológico, dekhímaira, -as, cabra jovem)

s. f.
1. Mit. Ser mitológico geralmente representado com um corpo híbrido entre leão, cabra e serpente ou dragão.
2. Coisa resultante da imaginação. = fabulação, fantasia, ilusãorealidade
3. Esperança irrealizável. = utopia
4. Ictiol. Peixe condropterígio.

14 comentários:

  1. tenso, denso, surpreendente...
    uma 'aula' sobre o humano.

    ah, amigo, vc é um bom escritor.

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  2. Caro Marcos
    Fico feliz por ter descoberto esse blog, só agora me dei conta do que tens aqui, perdão pela demora.
    Este texto seu é muito interessante, essas imagens aticonvencionais, nublosas, até soberbas, são obra de grande valor.

    Sobre em ser clássico ou não - Não sei bem sobre a "classe" dos meus poemas, eles apenas existem e morrem. Claire é uma amiga de longa data, muito reclusa no que faz, discutimos sim, sobre algumas coisas antiéticas... Abraços lassos!

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  3. Esplendoroso amigo meu,você como sempre,sempre,sempre mais irreconhecível,pois a cada dia você se melhora...

    O verdadeiro roqueiro mora nesse texto.

    Abraço!

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  4. Marcos

    teu texto é psicodélico!! Heavy metal teu blogue! Você é um escritor dos grandes, meu caro.

    Estou te seguindo e com uma certeza: travaremos intenso diálogo literário a partir daqui.

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  5. E pensar que existe aluna assim por aí, realmente, cada um com sua própria realidade nessa vida de Meu Deus.

    Estamos seguindo seu blog tb, espero não perder contato.


    Rebeca

    -

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  6. E o bom que a história, mesmo mudada, tem lá seu encanto.

    Rebeca

    -

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  7. ABigo, isso ñ é um comentário, é scrap de bloguêros, hehe...ñ tenho previsão alguma de ir ao grupo, meu querido, mas, queria conversar mais contigo, cara, depois me manda teu msn, creio(mesmo) que existe possibilidades ótimas aqui de uma amizade legal vingar....mesmo que os últimos comentários do meu blog tenham sido teus, ainda vejo uma vontade de me saudar, obrigado, cara, de coração mesmo...vc se mostra bonito em simplicidades florais(alma), e qto à isso, tenho sede...bjo na alma, filhote!

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  8. Ah Plant e Augusto dos Anjos bem pertinho.
    foi um grande prazer ler isto tudo.
    Você gosta de Rimbaud, Marcos?

    abraços

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  9. Nossa estou sem palavras!
    Confesso que me encanta esse seu jeito de contar os fatos... interessante, profundo e real.

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  10. loucura hein...
    quando eu me recuperar, leio os outros...
    hehe!

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  11. Caetano, próxima semana faremos mais uma Ação Blogs de Quinta - 7 filmes que marcaram a sua vida!

    Faça uma lista com pequenos comentários sobre 7 filmes importantes para você!


    abraço

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  12. Obrigada pela visita...

    e você tem razão, fingir talvez seja a escolha certa, pelo menos temporariamente...

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  13. tá. desasossego é pouco. o que sinto aqui é a vida. nua, crua, besta (ó deus). é o humano, e o que há de sujo, torpe, bonito e intenso nisso. porque nunca somos um só.

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