
“Seol da Amizade”
A grama era verde e alimentada por sonhos mortos, as árvores tinham mais vida que os que por elas passavam. Tudo aqui sempre é colorido, como se as flores fossem os balões de uma festa, porém, os convidados monocromáticos só enxergam as coisas em preto e branco. Eles vêm com as suas mãos cheias de cárceres para passá-las na morte como quem brinca com a sorte. Seus olhos de lápides são o outdoor da tristeza. Os sinos são os fogos da festa e o silêncio ululante a música de fundo. O morto é a estrela da tarde.
Todos deveriam ter um sepultamento digno como aquele, pois é a maior das nossas celebrações. É o adeus da autonomia da alma, tão mortal quanto o corpo. E toda aquela gente ali reunida, todos celebrando um fim velado de eternidade. Desciam o seu dito amigo ao Seol* para não mais voltar. Guardavam-no como se um dia ele fosse acordar de um sonho, enquanto muitos vivos não têm tão boas condições de dormir.
Como W. H. Auden, todos já haviam parado os relógios e desligado os telefones, todas as carpideiras carpiam um Fúnebre Blues. Até os vermes estavam preparados para a festa, queriam o seu desjejum. Prontos para desembalar o corpo e comer a alma, esta a vela aquele o bolo. Mas a alma já não era do morto.
As pessoas então carpiram o egoísmo e os traumas no caixão, o morto desceu com mais pesar que quando morreu. As lágrimas foram o cimento que deu firmeza ao ataúde. Como qualquer morto quando morre ele desceu ao inferno dos sofrimentos alheios.
É bonito chorar e é bonito sofrer. Todos ali estavam belos: a beleza deles é um necrotério de corpos dissecados. E a felicidade do morto um genocídio de felicidades alheias...
Procurei um sorriso perdido, encontrei um único, embora molhado, era um sorriso de algum amigo. O nosso corpo tem a sepultura no mundo, já a nossa alma nas outras almas. Enquanto o cemitério do corpo é a cidade, o cemitério da alma é a amizade.
O morto desceu como quem realiza um sonho e os outros ficaram como quem não sabe partilhar do sonho amigo. Talvez aquele sorriso tenha entendido a Lápide que cita Cícero em A Amizade:
“Quocirca maerere hac ejus eventu vereor
Ne invidi magis quam amici est”
O sorriso saiu e deixou os prantos por lá, e pensou como uma laje sepulcral: “Receio que lamentar aquela perda seja mais inveja que amizade”.
(Por Marcos P. S. Caetano, 14h07 de 17 de Novembro de 2010)
*Seol:
Sheol, Xeol ou Seol, (pronunciado "Sheh-ol"), em Hebraico שאול (She'ol), é o "túmulo", ou "cova" ou "abismo".
No Judaísmo She'ol é o local de purificação espiritual ou punição para os mortos, um local o mais distante possível do céu. De acordo com a maior parte das fontes judaicas, o período da purificação ou punição é... (Para mais informações sobre Seol, só clicar)
PS: Imagem do Filme Quatro Casamentos e um Funeral, que cita o Poema Fúnebre Blues de Auden.
Palavra da Vez:
Vim visitar o teu desassossego. E sendo assim, desassossegar-me também. Provar das tuas palavras mais que a noite. Roer letras e verbos feito verme. Rasgar esse escuro da terra e encontrar descanso nessas outras almas em desalinho. Alimentar-me destes versos que guardam essa fome que não cessa nunca e nos faz seguir.
ResponderExcluirObrigada pelas palavras e pelo compartilhar.
Como sempre seus belos textos;o egoísmo,essa camisa de força que vestimos todos os dias,quem veste egoísmo veste todos os males do mundo,que d verdade veste a camiseta do mundo veste amor,nosso mundo vive revestido dessa camisa de força,mas sempre encontramos alguém de camiseta...
ResponderExcluirUm Abraço!
(Ego)ismo..Sismo mas..Eis nossa materia Bruta
ResponderExcluir-
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"amor proprio excessivo" uma Doença do ser||humano
..
A cura//Musica
Como Dizia Novalis
“Toda doença é um problema musical.”
PS:Fui alem, rs
Sds